POESIA FINLANDESA HOJE
Por Rita Dahl
Os clássicos da poesia moderna da Finlândia – sem nem falar dos clássicos da poesia mais antiga – são ainda desconhecidos do público de língua portuguesa. Os fundadores da poesia visual dos anos 1950, Paavo Haavikko, Tuomas Anhava e outros modernistas importantes, Eeva-Liisa Manner e Mirkka Rekola, sequer pelo nome são conhecidos no Brasil ou em Portugal. E nem é preciso mencionar que os autores mais novos, que começaram suas carreiras nos anos 1990 e já consolidaram sua posição no campo da poesia, Jyrki Kiiskinen, Helena Sinervo, Panu Tuomi, Riina Katajavuori e Jukka Koskelainen, não dizem absolutamente nada a esse público.
Muitos desses poetas mencionados participaram ativamente na década de 1990 da Nuoren Voiman Liitto, uma associação cultural fundada em 1921. Graças a ela, a divulgação e a publicação de poesia começou a ganhar formas cada vez mais dinâmicas. No fim da década de 1990, os poetas Tommi Parkko e Markus Jääskeläinen fundaram a associação Nihil Interit, que publicou inúmeros livros, organizou eventos e criou a revista de poesia Tuli & Savu. A partir das traduções da editora Nihil Interit, os finlandeses tiveram a oportunidade de ler poesia estoniana (Jaan Kaplinski, Elo Viidig), holandesa, indiana de língua inglesa, grega (Kostas Kariotakis, Jannis Ritsos) e irlandesa (Paul Muldoon). Trabalho que tem continuado a dar frutos, por exemplo, na forma de uma antologia de poesia contemporânea portuguesa traduzida por mim.
A passagem do milênio foi um tempo de grandes mudanças estruturais no mundo editorial finlandês. Naquele momento, as pequenas editoras começaram a firmar seu lugar lado a lado com as editoras maiores, diversificando a poesia. As editoras que operam com impressão sob demanda e exercem a filosofia long tail como princípio de funcionamento também se tornaram vitais para a poesia ao oferecer raras delícias a um público selecionado. Essas pequenas editoras, nascidas nos anos 1990, criaram o espaço para novas vozes, que teriam ficado sem serem ouvidas.
A poesia mais recente vive agora a sua época dourada. Na Finlândia, tem sido a mais variada em décadas. Os poetas estão escrevendo em inumeráveis estilos, técnicas, tons e vozes. Os mais corajosos são os poetas mais jovens, mas naturalmente as gerações anteriores têm também os seus experimentalistas.
O NOVO MILÊNIO EM FULGOR
Os anos 2000 evocam e fazem lembrar uma outra era de prosperidade da poesia finlandesa, a década de 1960: Väinö Kirstinä trouxe para a poesia nacional o surrealismo; Jyrki Pellinen, completamente único e inclassificável, surgiu no mercado; Kalevi Seilonen escreveu poemas satíricos sobre ele mesmo e a sociedade; o bad boy da poesia finlandesa, Pentti Saarikoski, olhou por cima da cabeça de Stalin as estruturas mais profundas da sociedade e do indivíduo; Maila Pylkkönen tomou como ponto de partida a introspecção psicológica surgida do dia-a-dia; e Pentti Holappa buscou inspiração para seus versos elegantes no existencialismo francês.
Nesses anos 2000, as possibilidades da poesia se abriram novamente. Os poetas jovens desenvolveram seus trabalhos a partir de técnicas jamais vistas – como, por exemplo, a escrita de poemas com base no Google ou em outras ferramentas de busca –, algumas das quais vieram para ficar e outras que certamente desaparecerão em breve. Contudo, o respeito às tradições, apesar das inovações, não tem diminuído. Ao contrário, os poetas jovens reconhecem abertamente o quanto devem às poéticas do passado, desde os românticos da escola inglesa (Lake Poets), de William Wordsworth e Percy Shelley, até os movimentos das últimas décadas, como o L=A=N=G=U=A=G=E POETRY, iniciado por Charles Bernstein e seus colegas. Da mesma forma, a poesia experimental e a de vanguarda estão bem representadas, e a poesia concreta e a visual começam a chegar.
A pequena antologia presente nesta edição da revista Confraria, e que em breve será editada na sua totalidade em livro pela editora Confraria do Vento, sob os cuidados editoriais do poeta Márcio-André, traz uma mostra de dez jovens poetas que no geral começaram a publicar no início dos anos 2000. A maior parte deles lançou poucos livros até agora. Todos nasceram na década 1970 ou 1980. Vários têm formação acadêmica ou estudaram literatura e outras disciplinas na universidade, o que caracteriza certa tendência atual: os escritores estreantes estão cada vez mais bem preparados e refinados. Além disso, muitos aprimoraram seu ofício participando de cursos para escritores antes de finalmente publicar. Os escritores já não vêm “do meio da floresta”, como costumamos dizer aqui no norte. Muitos deles estão ativos em associações literárias e ganham a vida apenas escrevendo, ou parcialmente, ensinando ou trabalhando como jornalistas ou pesquisadores. Poucos são os que trabalham totalmente fora da área.
Essa miniantologia pretende dar uma imagem viva dessa poesia em sua efervescência. Além de exemplos de language poetry, que exploram as possibilidades da língua e do mundo, há também uma poesia de versos mais tradicionais, inclinada ao modernismo, e que trata de temas variados, que vão desde o processo de crescimento de uma menina que finalmente se torna uma mulher, até uma análise mais ampla da sociedade, passando pela relação de casais. Esta antologia apresenta também alguma prosa poética, uma tendência em ascensão por aqui, cujos autores com frequência dominam também a poesia em verso.
Metade dos poetas desta antologia tem blogues nos quais atualizam seus trabalhos, seus pensamentos sobre arte, sociedade, ética e estética, escrevem artigos, traduções, propostas de debates, fragmentos de textos, e tudo o mais que cabe entre o céu e a terra. Nessas mesas de trabalho virtuais, é possível testar o funcionamento do texto ainda na fase inicial.
A seleção dos dez poetas é apenas uma pequena mostra do extenso espectro da nova poesia finlandesa. Com mais espaço, poderíamos facilmente ter escolhido quinze ou vinte poetas. Mas o aumento explosivo da produção poética também evoca uma questão preocupante: será que, por conta da profusão cada vez mais expressiva, a poesia alcança o espaço fora do universo artístico?
A REALIDADE OU AS REALIDADES?
Uma poesia realista, buscando verossimilhança e ilusão mimética, perdeu sua predominância na nova poesia finlandesa. Vários poetas mais jovens, Teemu Manninen, Juhana Vähänen, Ville-Juhani Sutinen (incluindo eu mesma) e possivelmente Janne Nummela, foram acusados de um materialismo linguístico, por terem sido vistos como influenciados fortemente pela escola L=A=N=G=U=A=G=E norte-americana.
Se o materialismo linguístico entende que o desejo máximo da poesia é apontar, comentar e criticar as condições de funcionamento da língua, não podemos negar que a língua é evidentemente o ponto de partida. Os materialistas linguísticos não entendem a língua como algo ofertado e já pronto, mas como uma entidade própria, cujo processo de nascimento e aquisição de significados pode ser trabalhado pela poesia. Essa forma de poesia pesquisa as condições e os modos de nascimento da linguagem, perguntando, questionando e criando algo novo ao basear-se no antigo. Ela colhe impressões, sensações, sentimentos, pensamentos, fragmentos de várias direções e desfaz em pedaços o que antes era dado como acabado. Entrevista pela poesia que parte da linguagem, a realidade já não é única, mas numerosa, contingente e está em constante mutação.
No primeiro livro de Juhana Vähänen, Cantorin pölyä (Savukeidas, 2005), a língua e a realidade são observadas a partir, entre outros, do olhar do cineasta Sergei Eisenstein e do matemático, pai da inteligência artificial, Alan Turing. No primeiro poema da obra Avaa tule (Teos, 2008), é apresentado um homem chamado Väisälä, que tem mãos de plástico e se suspeita ser um cineasta que teve uma relação amorosa com uma mulher, talvez uma atriz. O livro trata principalmente do processo de criação e nascimento de uma obra de arte. O trabalho do artista compara-se à construção da identidade de um indivíduo.
O narrador dá início ao filme e vai mostrando diferentes cenários. A ponderação sobre a teoria da narrativa é interrompida por um poema que compara o trabalho do poeta ao de garotos ouvindo black metal para depois destruir móveis. De uma maneira parecida, as atitudes do narrador passam da potência de um todo-poderoso a um insignificante, com inúmeras nuances entre os dois. Depois de ter mergulhado em sentimentos abstratos, o narrador volta ao concreto, ao Land Rover e a Nadia, narrando com gírias e sintaxe híbrida. Neste ponto, ele está pronto a trepar com qualquer coisa: a vontade de se espalhar em todas as direções se compara à vontade sexual. No fim, duas línguas se encontram uma na boca da outra, entrelaçadas.
Imaginar: criar mundos, lugares e identidade própria não é tarefa apenas do poeta, mas do humano em geral. Neste livro, o humano constrói-se apoiado nas imagens alheias e de si próprio, como o narrador construindo uma história. A base da indústria da identidade e entretenimento encontra-se na América do Norte, além dos filmes e dos produtos violentos como a Coca-Cola. Estamos sendo modificados.
No último poema do livro, o narrador revela a razão para tudo isso: a incapacidade de adaptar-se pode resultar numa vontade de criar universos mentais autossuficientes. Porém, a vontade do narrador de quebrar a cúpula de vidro do solipsismo fica bem clara: apesar de tudo, ele quer se comunicar, se aproximar, o que é expresso no título em finlandês: Avaa tule (Abra, venha), ainda que nas entrelinhas permaneça também a agressividade, uma vez que é possível, por uma ambiguidade fonética, ler o título de forma errada: Avaan tulen (Abrirei fogo). A tarefa do narrador é como subir uma montanha ou como jogar tênis: o leitor recebe o saque. Criação é também um jogo de poder que sempre inclui uma dimensão de dominação, da mesma forma que as relações sociais. Contudo, o mundo literal é mais facilmente controlável.
No primeiro livro de Teemu Manninen, Turistina Täällä (Tammi, 2005), caminha-se da tradição às novas técnicas. Manninen, um pesquisador literário, aprecia figuras que lidam com livros anteriores ao século XIX. O respeito à tradição literária se realiza em diferentes medidas poéticas no livro, que mesmo assim tira seus temas da atualidade. A segunda obra de Manninen, Lohikäärmeen poika (Tammi, 2007), foi o primeiro livro de poesia Flarf, que se baseia na linguagem chat e IRC e combina livremente falas prosaicas com textos rebuscados. Porém, o material e o olhar do poeta também se dirige para trás no tempo, na tradição que ele respeita e em que se fia para o trabalho de escrita. Esta tradição parte da Antiguidade e chega até a poesia norte-americana do século XX, através de poetas como W. H. Auden.
O mundo é estilhaçado e reconstruído também nos poemas em prosa de Silja Järventausta. A sua primeira obra, Patjalla meren yli (Teos, 2006), trata especialmente do encontro do eu com a sociedade, com o outro, mas também o processo de procurar e encontrar a própria mente, linguagem, lugar e limites. Ao construir uma língua própria, é encontrado um lugar na comunidade. Linguagem e pensamento próprios nunca nascem na solidão, mas na interação com outros. Nos poemas de Järventausta, as pessoas se esforçam para sair de situações complexas em relação à mente e à linguagem. Järventausta, juntamente com Saila Susiluoto, nesta miniantologia, faz parte da onda popular da poesia em prosa que chegou à Finlândia no fim da década de 1990.
Lyhyellä matkalla ohuesti jäätyneen meren yli (PoEsia, 2006), de Janne Nummela, foi o primeiro livro de poesia baseado nos sites de busca da internet. Na obra de Nummela, o mundo é reorganizado juntando a natureza e o humano de forma inseparável. O seu novo método destacou-se na repetição de search words. Nos poemas de Nummela, há um tom metafísico e um alcance social. Ele parece acreditar que o mundo globalizado se destruirá, caso não paremos com o ritmo atual e não nos concentremos no essencial – a busca do espírito perdido.
No meu segundo livro, Aforismien aika (PoEsia, 2007), faço uso do gerador de poesia Google, construído pelo poeta e tradutor Leevi Lehto. No principal poema, com 80 páginas, colidem diferentes registros da língua, que vão de uma retórica de alta complexidade a um estilo vulgar e coloquial. O mundo está num movimento contínuo, seguindo a imaginação. Elämää Lagoksessa (Ntamo, 2008), por sua vez, vai desde a descrição de uma cidade ocidental abstrata e absurda até objetos particulares, obras de arte e colagens feitas a partir deles. Por fim, se chega em Lagos, uma cidade de milhões de habitantes, na qual a vida não difere em nada de uma cidade ocidental: as duas avançam no mesmo ritmo veloz. A vida prossegue e o dinheiro é acumulado.
Em especial os dois últimos livros de Ville-Juhani Sutinen, Merkkihenkilön mahdollisuus (Savukeidas, 2005) e Merkkihenkilön kuolema (Savukeidas, 2007), parecem ter realizado as expectativas em relação ao jovem poeta. A série temática Merkkihenkilö gira em torno da literatura romântica do século XIX e outras artes, a melancolia eslava, moças bonitas e bebidas que alegram. Mas também se vale do vocabulário das ciências naturais: física, química e biologia, que descrevem cientificamente o mundo moderno. No caleidoscópio linguístico do poeta, toda a matéria roda democraticamente – no primeiro livro, em forma de poemas tradicionalmente em verso e em prosa, no último como um poema comprido e intenso, em que os versos mudam quase tão rápido quanto a divisão deles. Nenhuma narrativa pode ser identificada no poema, um monte de versos fragmentados, muitas vezes surreais. O leitor talvez não consiga dizer o que se diz em cada verso, mas ele atinge uma sensação de estar tentando se aproximar de algo maior.
Ainda é possível comparar Sutinen a pilares da poesia moderna, como Ezra Pound ou T. S. Eliot, que se interessaram, além das ciências naturais modernas, pelas conexões da poesia com a música e outras artes. A reconstrução linguística foi levada bastante adiante no livro Neuhickyr (PoEsia, 2007), escrito por ele com o poeta Hannu Helin, da velha language poetry.
MENINAS, MULHERES, GÊNEROS
Meninas, mulheres e questões de gênero são temáticas recorrentes na poesia das jovens poetas. No seu livro Sakset kädessä ei saa juosta (WSOY, 2004), Vilja-Tuulia Huotarinen procura seu lugar entre as normas e ensinamentos da escola e da casa de uma maneira anárquica, pegando na mão uma tesoura, fazendo uma referência ao título (em português, não corra com a tesoura na mão). Para uma menina se tornar mulher e para encontrar seu próprio gênero e sexualidade – e identidade em geral –, é preciso fugir das atitudes e exemplos impostos. Assim fica possível encontrar a sua feminilidade e a outra pessoa, o outro gênero, o homem. No segundo livro de Huotarinen, Naisen paikka (WSOY, 2007), a condição de mulher é colocada numa escala maior, na sequência contínua das gerações. As avós aparecem como modelos de vida, possuidoras de toda a antiga sabedoria em relação às mulheres, sendo a elas que se dirigem em situações difíceis.
Katariina Vuorinen trata, nos seus poemas, principalmente dos altos e baixos das relações amorosas. Seu primeiro livro, Edith suuteli minua unessa (Tammi, 2001), apresenta uma mulher excepcionalmente forte e independente na poesia finlandesa. Esta mulher sabe o que quer. A imagem feminina de Vuorinen não é bonitinha: as meninas falam palavrões, comem, bebem e trepam com a mesma atitude egoísta dos homens. As mulheres de Vuorinen podem ser vistas como o pico da emancipação feminina nórdica: elas são as senhoras fortes e malvadas do Norte, que estão dispostas a fazer qualquer coisa que for preciso para atingir o que querem. A sexualidade e os instintos animais são uma força que leva as mulheres adiante, e ninguém pode ser mais furiosa do que uma mulher com ciúmes ou dúvidas.
Em sua segunda obra, Kylmä rintama (Savukeidas, 2006), Vuorinen dá prosseguimento às críticas contra os valores e as atitudes da sociedade, estreitando o papel social dos gêneros. A poeta incita de forma anárquica a fazer cair os modelos, papéis prontos de como ser e estar no mundo. As pelancas podem ficar penduradas e a bebida correr solta, se a mulherada assim o quiser, ainda que a mídia incite outra coisa. A mulher deve caber apenas nos moldes que ela mesma cria, não nos dos outros.
Saila Susiluoto já estabilizou sua posição como um dos grandes nomes da jovem poesia finlandesa, e por seus méritos recebeu o prêmio Suomi em 2005. Susiluoto também começou definindo e buscando o lugar da menina e da mulher. Sua linguagem é mais lírica e mais deliberadamente sentimental que a linguagem carnal de Vuorinen. Todavia, as figuras femininas das duas procuram a mesma liberdade e o mesmo direito de definir seu próprio lugar no mundo.
A primeira obra de Susiluoto, Siivekkäät ja hännäkkäät (Otava, 2001), mostrou as meninas em suas cidades, em suas casas geminadas e no seio de suas famílias. Huoneiden kirja (Otava, 2003) bebeu da fonte do Livro das mutações (I Ching) e colocou as meninas de forma mais ampla como continuação da cadeia das gerações, na qual o papel das avós é importante. Na obra Auringonkierto (Otava, 2005), a linguagem lírica da poeta soa ainda mais bela, levando o sujeito na direção do amor. O amor é o alvo de todas as personagens na poesia de Susiluoto. O amor é o combustível da vida e o tema mais importante da poeta.
No seu livro mais recente, Missä leikki loppuu (2007), Susiluoto expande corajosamente a sua maneira de falar sobre os gêneros. Sua expressão é invencível: ela narra a história passando fluentemente da prosa para o verso. A personagem principal do livro, Lola, é uma mulher que nasceu no corpo de homem, um transexual. Os poemas fazem uma viagem à sua própria essência, também física, de uma maneira impressionante. A obra é construída através do diálogo entre Lola e Erika, mas aos poucos vai se convertendo na história da criação de um novo indivíduo. Os paralelos se encontram: Lola e Erika, que no começo tinham se distanciado, encontram por fim uma paz interna. O transexual Lola volta ao corpo no qual ele deveria ter nascido – mulher, dando parto a si mesma. Lola, que ficou “grávida” de Marie, dá à luz gêmeos no último poema chamado Talviyö, tendo ao seu lado Erika como parteira.
Dos poetas selecionados, Jarkko Tontti tem o ponto de vista mais claramente masculino. O personagem principal de Vuosikirja (Otava, 2006) é um funcionário público que vive em tempos e lugares diferentes. O conselheiro da rainha, Jacasser d´Hont, é um homem da corte trabalhando como escrivão e ao mesmo tempo um escrivão do estado moderno na época das novas mídias. Nos versos de Tontti, vê-se claramente a influência de Paavo Haavikko, do seu estilo frasal, do vocabulário ascético e econômico e da pontuação. Esta influência não se restringe às frases, mas interfere também na visão de mundo de Tontti. São poemas sobre o poder e a vontade de mantê-lo. O sujeito falante de Tontti é o escrivão confidente do soberano que assiste às tentativas do príncipe de se agarrar às últimas migalhas do poder a qualquer custo. O poder requer política e luta: todas as tropas são necessárias para manter as posições obtidas, tanto na guerra quanto no amor. O escrivão, os soberanos e outros tantos interessados no poder, tomando conta dos assuntos da polis, não sobreviveriam sem a força feminina. Como Haavikko, Tontti dá os méritos de ter sustentado o coletivo – seja uma família ou uma entidade maior, o estado – à mulher, aquela labutadora por trás dos bastidores, da qual depende se a totalidade permanece ou cai.
Tradução de Katariina Harjunpää e Márcio-André
Publicado na edição Nº 25 da Revista Confraria (1ª edição impressa)
Os clássicos da poesia moderna da Finlândia – sem nem falar dos clássicos da poesia mais antiga – são ainda desconhecidos do público de língua portuguesa. Os fundadores da poesia visual dos anos 1950, Paavo Haavikko, Tuomas Anhava e outros modernistas importantes, Eeva-Liisa Manner e Mirkka Rekola, sequer pelo nome são conhecidos no Brasil ou em Portugal. E nem é preciso mencionar que os autores mais novos, que começaram suas carreiras nos anos 1990 e já consolidaram sua posição no campo da poesia, Jyrki Kiiskinen, Helena Sinervo, Panu Tuomi, Riina Katajavuori e Jukka Koskelainen, não dizem absolutamente nada a esse público.
Muitos desses poetas mencionados participaram ativamente na década de 1990 da Nuoren Voiman Liitto, uma associação cultural fundada em 1921. Graças a ela, a divulgação e a publicação de poesia começou a ganhar formas cada vez mais dinâmicas. No fim da década de 1990, os poetas Tommi Parkko e Markus Jääskeläinen fundaram a associação Nihil Interit, que publicou inúmeros livros, organizou eventos e criou a revista de poesia Tuli & Savu. A partir das traduções da editora Nihil Interit, os finlandeses tiveram a oportunidade de ler poesia estoniana (Jaan Kaplinski, Elo Viidig), holandesa, indiana de língua inglesa, grega (Kostas Kariotakis, Jannis Ritsos) e irlandesa (Paul Muldoon). Trabalho que tem continuado a dar frutos, por exemplo, na forma de uma antologia de poesia contemporânea portuguesa traduzida por mim.
A passagem do milênio foi um tempo de grandes mudanças estruturais no mundo editorial finlandês. Naquele momento, as pequenas editoras começaram a firmar seu lugar lado a lado com as editoras maiores, diversificando a poesia. As editoras que operam com impressão sob demanda e exercem a filosofia long tail como princípio de funcionamento também se tornaram vitais para a poesia ao oferecer raras delícias a um público selecionado. Essas pequenas editoras, nascidas nos anos 1990, criaram o espaço para novas vozes, que teriam ficado sem serem ouvidas.
A poesia mais recente vive agora a sua época dourada. Na Finlândia, tem sido a mais variada em décadas. Os poetas estão escrevendo em inumeráveis estilos, técnicas, tons e vozes. Os mais corajosos são os poetas mais jovens, mas naturalmente as gerações anteriores têm também os seus experimentalistas.
O NOVO MILÊNIO EM FULGOR
Os anos 2000 evocam e fazem lembrar uma outra era de prosperidade da poesia finlandesa, a década de 1960: Väinö Kirstinä trouxe para a poesia nacional o surrealismo; Jyrki Pellinen, completamente único e inclassificável, surgiu no mercado; Kalevi Seilonen escreveu poemas satíricos sobre ele mesmo e a sociedade; o bad boy da poesia finlandesa, Pentti Saarikoski, olhou por cima da cabeça de Stalin as estruturas mais profundas da sociedade e do indivíduo; Maila Pylkkönen tomou como ponto de partida a introspecção psicológica surgida do dia-a-dia; e Pentti Holappa buscou inspiração para seus versos elegantes no existencialismo francês.
Nesses anos 2000, as possibilidades da poesia se abriram novamente. Os poetas jovens desenvolveram seus trabalhos a partir de técnicas jamais vistas – como, por exemplo, a escrita de poemas com base no Google ou em outras ferramentas de busca –, algumas das quais vieram para ficar e outras que certamente desaparecerão em breve. Contudo, o respeito às tradições, apesar das inovações, não tem diminuído. Ao contrário, os poetas jovens reconhecem abertamente o quanto devem às poéticas do passado, desde os românticos da escola inglesa (Lake Poets), de William Wordsworth e Percy Shelley, até os movimentos das últimas décadas, como o L=A=N=G=U=A=G=E POETRY, iniciado por Charles Bernstein e seus colegas. Da mesma forma, a poesia experimental e a de vanguarda estão bem representadas, e a poesia concreta e a visual começam a chegar.
A pequena antologia presente nesta edição da revista Confraria, e que em breve será editada na sua totalidade em livro pela editora Confraria do Vento, sob os cuidados editoriais do poeta Márcio-André, traz uma mostra de dez jovens poetas que no geral começaram a publicar no início dos anos 2000. A maior parte deles lançou poucos livros até agora. Todos nasceram na década 1970 ou 1980. Vários têm formação acadêmica ou estudaram literatura e outras disciplinas na universidade, o que caracteriza certa tendência atual: os escritores estreantes estão cada vez mais bem preparados e refinados. Além disso, muitos aprimoraram seu ofício participando de cursos para escritores antes de finalmente publicar. Os escritores já não vêm “do meio da floresta”, como costumamos dizer aqui no norte. Muitos deles estão ativos em associações literárias e ganham a vida apenas escrevendo, ou parcialmente, ensinando ou trabalhando como jornalistas ou pesquisadores. Poucos são os que trabalham totalmente fora da área.
Essa miniantologia pretende dar uma imagem viva dessa poesia em sua efervescência. Além de exemplos de language poetry, que exploram as possibilidades da língua e do mundo, há também uma poesia de versos mais tradicionais, inclinada ao modernismo, e que trata de temas variados, que vão desde o processo de crescimento de uma menina que finalmente se torna uma mulher, até uma análise mais ampla da sociedade, passando pela relação de casais. Esta antologia apresenta também alguma prosa poética, uma tendência em ascensão por aqui, cujos autores com frequência dominam também a poesia em verso.
Metade dos poetas desta antologia tem blogues nos quais atualizam seus trabalhos, seus pensamentos sobre arte, sociedade, ética e estética, escrevem artigos, traduções, propostas de debates, fragmentos de textos, e tudo o mais que cabe entre o céu e a terra. Nessas mesas de trabalho virtuais, é possível testar o funcionamento do texto ainda na fase inicial.
A seleção dos dez poetas é apenas uma pequena mostra do extenso espectro da nova poesia finlandesa. Com mais espaço, poderíamos facilmente ter escolhido quinze ou vinte poetas. Mas o aumento explosivo da produção poética também evoca uma questão preocupante: será que, por conta da profusão cada vez mais expressiva, a poesia alcança o espaço fora do universo artístico?
A REALIDADE OU AS REALIDADES?
Uma poesia realista, buscando verossimilhança e ilusão mimética, perdeu sua predominância na nova poesia finlandesa. Vários poetas mais jovens, Teemu Manninen, Juhana Vähänen, Ville-Juhani Sutinen (incluindo eu mesma) e possivelmente Janne Nummela, foram acusados de um materialismo linguístico, por terem sido vistos como influenciados fortemente pela escola L=A=N=G=U=A=G=E norte-americana.
Se o materialismo linguístico entende que o desejo máximo da poesia é apontar, comentar e criticar as condições de funcionamento da língua, não podemos negar que a língua é evidentemente o ponto de partida. Os materialistas linguísticos não entendem a língua como algo ofertado e já pronto, mas como uma entidade própria, cujo processo de nascimento e aquisição de significados pode ser trabalhado pela poesia. Essa forma de poesia pesquisa as condições e os modos de nascimento da linguagem, perguntando, questionando e criando algo novo ao basear-se no antigo. Ela colhe impressões, sensações, sentimentos, pensamentos, fragmentos de várias direções e desfaz em pedaços o que antes era dado como acabado. Entrevista pela poesia que parte da linguagem, a realidade já não é única, mas numerosa, contingente e está em constante mutação.
No primeiro livro de Juhana Vähänen, Cantorin pölyä (Savukeidas, 2005), a língua e a realidade são observadas a partir, entre outros, do olhar do cineasta Sergei Eisenstein e do matemático, pai da inteligência artificial, Alan Turing. No primeiro poema da obra Avaa tule (Teos, 2008), é apresentado um homem chamado Väisälä, que tem mãos de plástico e se suspeita ser um cineasta que teve uma relação amorosa com uma mulher, talvez uma atriz. O livro trata principalmente do processo de criação e nascimento de uma obra de arte. O trabalho do artista compara-se à construção da identidade de um indivíduo.
O narrador dá início ao filme e vai mostrando diferentes cenários. A ponderação sobre a teoria da narrativa é interrompida por um poema que compara o trabalho do poeta ao de garotos ouvindo black metal para depois destruir móveis. De uma maneira parecida, as atitudes do narrador passam da potência de um todo-poderoso a um insignificante, com inúmeras nuances entre os dois. Depois de ter mergulhado em sentimentos abstratos, o narrador volta ao concreto, ao Land Rover e a Nadia, narrando com gírias e sintaxe híbrida. Neste ponto, ele está pronto a trepar com qualquer coisa: a vontade de se espalhar em todas as direções se compara à vontade sexual. No fim, duas línguas se encontram uma na boca da outra, entrelaçadas.
Imaginar: criar mundos, lugares e identidade própria não é tarefa apenas do poeta, mas do humano em geral. Neste livro, o humano constrói-se apoiado nas imagens alheias e de si próprio, como o narrador construindo uma história. A base da indústria da identidade e entretenimento encontra-se na América do Norte, além dos filmes e dos produtos violentos como a Coca-Cola. Estamos sendo modificados.
No último poema do livro, o narrador revela a razão para tudo isso: a incapacidade de adaptar-se pode resultar numa vontade de criar universos mentais autossuficientes. Porém, a vontade do narrador de quebrar a cúpula de vidro do solipsismo fica bem clara: apesar de tudo, ele quer se comunicar, se aproximar, o que é expresso no título em finlandês: Avaa tule (Abra, venha), ainda que nas entrelinhas permaneça também a agressividade, uma vez que é possível, por uma ambiguidade fonética, ler o título de forma errada: Avaan tulen (Abrirei fogo). A tarefa do narrador é como subir uma montanha ou como jogar tênis: o leitor recebe o saque. Criação é também um jogo de poder que sempre inclui uma dimensão de dominação, da mesma forma que as relações sociais. Contudo, o mundo literal é mais facilmente controlável.
No primeiro livro de Teemu Manninen, Turistina Täällä (Tammi, 2005), caminha-se da tradição às novas técnicas. Manninen, um pesquisador literário, aprecia figuras que lidam com livros anteriores ao século XIX. O respeito à tradição literária se realiza em diferentes medidas poéticas no livro, que mesmo assim tira seus temas da atualidade. A segunda obra de Manninen, Lohikäärmeen poika (Tammi, 2007), foi o primeiro livro de poesia Flarf, que se baseia na linguagem chat e IRC e combina livremente falas prosaicas com textos rebuscados. Porém, o material e o olhar do poeta também se dirige para trás no tempo, na tradição que ele respeita e em que se fia para o trabalho de escrita. Esta tradição parte da Antiguidade e chega até a poesia norte-americana do século XX, através de poetas como W. H. Auden.
O mundo é estilhaçado e reconstruído também nos poemas em prosa de Silja Järventausta. A sua primeira obra, Patjalla meren yli (Teos, 2006), trata especialmente do encontro do eu com a sociedade, com o outro, mas também o processo de procurar e encontrar a própria mente, linguagem, lugar e limites. Ao construir uma língua própria, é encontrado um lugar na comunidade. Linguagem e pensamento próprios nunca nascem na solidão, mas na interação com outros. Nos poemas de Järventausta, as pessoas se esforçam para sair de situações complexas em relação à mente e à linguagem. Järventausta, juntamente com Saila Susiluoto, nesta miniantologia, faz parte da onda popular da poesia em prosa que chegou à Finlândia no fim da década de 1990.
Lyhyellä matkalla ohuesti jäätyneen meren yli (PoEsia, 2006), de Janne Nummela, foi o primeiro livro de poesia baseado nos sites de busca da internet. Na obra de Nummela, o mundo é reorganizado juntando a natureza e o humano de forma inseparável. O seu novo método destacou-se na repetição de search words. Nos poemas de Nummela, há um tom metafísico e um alcance social. Ele parece acreditar que o mundo globalizado se destruirá, caso não paremos com o ritmo atual e não nos concentremos no essencial – a busca do espírito perdido.
No meu segundo livro, Aforismien aika (PoEsia, 2007), faço uso do gerador de poesia Google, construído pelo poeta e tradutor Leevi Lehto. No principal poema, com 80 páginas, colidem diferentes registros da língua, que vão de uma retórica de alta complexidade a um estilo vulgar e coloquial. O mundo está num movimento contínuo, seguindo a imaginação. Elämää Lagoksessa (Ntamo, 2008), por sua vez, vai desde a descrição de uma cidade ocidental abstrata e absurda até objetos particulares, obras de arte e colagens feitas a partir deles. Por fim, se chega em Lagos, uma cidade de milhões de habitantes, na qual a vida não difere em nada de uma cidade ocidental: as duas avançam no mesmo ritmo veloz. A vida prossegue e o dinheiro é acumulado.
Em especial os dois últimos livros de Ville-Juhani Sutinen, Merkkihenkilön mahdollisuus (Savukeidas, 2005) e Merkkihenkilön kuolema (Savukeidas, 2007), parecem ter realizado as expectativas em relação ao jovem poeta. A série temática Merkkihenkilö gira em torno da literatura romântica do século XIX e outras artes, a melancolia eslava, moças bonitas e bebidas que alegram. Mas também se vale do vocabulário das ciências naturais: física, química e biologia, que descrevem cientificamente o mundo moderno. No caleidoscópio linguístico do poeta, toda a matéria roda democraticamente – no primeiro livro, em forma de poemas tradicionalmente em verso e em prosa, no último como um poema comprido e intenso, em que os versos mudam quase tão rápido quanto a divisão deles. Nenhuma narrativa pode ser identificada no poema, um monte de versos fragmentados, muitas vezes surreais. O leitor talvez não consiga dizer o que se diz em cada verso, mas ele atinge uma sensação de estar tentando se aproximar de algo maior.
Ainda é possível comparar Sutinen a pilares da poesia moderna, como Ezra Pound ou T. S. Eliot, que se interessaram, além das ciências naturais modernas, pelas conexões da poesia com a música e outras artes. A reconstrução linguística foi levada bastante adiante no livro Neuhickyr (PoEsia, 2007), escrito por ele com o poeta Hannu Helin, da velha language poetry.
MENINAS, MULHERES, GÊNEROS
Meninas, mulheres e questões de gênero são temáticas recorrentes na poesia das jovens poetas. No seu livro Sakset kädessä ei saa juosta (WSOY, 2004), Vilja-Tuulia Huotarinen procura seu lugar entre as normas e ensinamentos da escola e da casa de uma maneira anárquica, pegando na mão uma tesoura, fazendo uma referência ao título (em português, não corra com a tesoura na mão). Para uma menina se tornar mulher e para encontrar seu próprio gênero e sexualidade – e identidade em geral –, é preciso fugir das atitudes e exemplos impostos. Assim fica possível encontrar a sua feminilidade e a outra pessoa, o outro gênero, o homem. No segundo livro de Huotarinen, Naisen paikka (WSOY, 2007), a condição de mulher é colocada numa escala maior, na sequência contínua das gerações. As avós aparecem como modelos de vida, possuidoras de toda a antiga sabedoria em relação às mulheres, sendo a elas que se dirigem em situações difíceis.
Katariina Vuorinen trata, nos seus poemas, principalmente dos altos e baixos das relações amorosas. Seu primeiro livro, Edith suuteli minua unessa (Tammi, 2001), apresenta uma mulher excepcionalmente forte e independente na poesia finlandesa. Esta mulher sabe o que quer. A imagem feminina de Vuorinen não é bonitinha: as meninas falam palavrões, comem, bebem e trepam com a mesma atitude egoísta dos homens. As mulheres de Vuorinen podem ser vistas como o pico da emancipação feminina nórdica: elas são as senhoras fortes e malvadas do Norte, que estão dispostas a fazer qualquer coisa que for preciso para atingir o que querem. A sexualidade e os instintos animais são uma força que leva as mulheres adiante, e ninguém pode ser mais furiosa do que uma mulher com ciúmes ou dúvidas.
Em sua segunda obra, Kylmä rintama (Savukeidas, 2006), Vuorinen dá prosseguimento às críticas contra os valores e as atitudes da sociedade, estreitando o papel social dos gêneros. A poeta incita de forma anárquica a fazer cair os modelos, papéis prontos de como ser e estar no mundo. As pelancas podem ficar penduradas e a bebida correr solta, se a mulherada assim o quiser, ainda que a mídia incite outra coisa. A mulher deve caber apenas nos moldes que ela mesma cria, não nos dos outros.
Saila Susiluoto já estabilizou sua posição como um dos grandes nomes da jovem poesia finlandesa, e por seus méritos recebeu o prêmio Suomi em 2005. Susiluoto também começou definindo e buscando o lugar da menina e da mulher. Sua linguagem é mais lírica e mais deliberadamente sentimental que a linguagem carnal de Vuorinen. Todavia, as figuras femininas das duas procuram a mesma liberdade e o mesmo direito de definir seu próprio lugar no mundo.
A primeira obra de Susiluoto, Siivekkäät ja hännäkkäät (Otava, 2001), mostrou as meninas em suas cidades, em suas casas geminadas e no seio de suas famílias. Huoneiden kirja (Otava, 2003) bebeu da fonte do Livro das mutações (I Ching) e colocou as meninas de forma mais ampla como continuação da cadeia das gerações, na qual o papel das avós é importante. Na obra Auringonkierto (Otava, 2005), a linguagem lírica da poeta soa ainda mais bela, levando o sujeito na direção do amor. O amor é o alvo de todas as personagens na poesia de Susiluoto. O amor é o combustível da vida e o tema mais importante da poeta.
No seu livro mais recente, Missä leikki loppuu (2007), Susiluoto expande corajosamente a sua maneira de falar sobre os gêneros. Sua expressão é invencível: ela narra a história passando fluentemente da prosa para o verso. A personagem principal do livro, Lola, é uma mulher que nasceu no corpo de homem, um transexual. Os poemas fazem uma viagem à sua própria essência, também física, de uma maneira impressionante. A obra é construída através do diálogo entre Lola e Erika, mas aos poucos vai se convertendo na história da criação de um novo indivíduo. Os paralelos se encontram: Lola e Erika, que no começo tinham se distanciado, encontram por fim uma paz interna. O transexual Lola volta ao corpo no qual ele deveria ter nascido – mulher, dando parto a si mesma. Lola, que ficou “grávida” de Marie, dá à luz gêmeos no último poema chamado Talviyö, tendo ao seu lado Erika como parteira.
Dos poetas selecionados, Jarkko Tontti tem o ponto de vista mais claramente masculino. O personagem principal de Vuosikirja (Otava, 2006) é um funcionário público que vive em tempos e lugares diferentes. O conselheiro da rainha, Jacasser d´Hont, é um homem da corte trabalhando como escrivão e ao mesmo tempo um escrivão do estado moderno na época das novas mídias. Nos versos de Tontti, vê-se claramente a influência de Paavo Haavikko, do seu estilo frasal, do vocabulário ascético e econômico e da pontuação. Esta influência não se restringe às frases, mas interfere também na visão de mundo de Tontti. São poemas sobre o poder e a vontade de mantê-lo. O sujeito falante de Tontti é o escrivão confidente do soberano que assiste às tentativas do príncipe de se agarrar às últimas migalhas do poder a qualquer custo. O poder requer política e luta: todas as tropas são necessárias para manter as posições obtidas, tanto na guerra quanto no amor. O escrivão, os soberanos e outros tantos interessados no poder, tomando conta dos assuntos da polis, não sobreviveriam sem a força feminina. Como Haavikko, Tontti dá os méritos de ter sustentado o coletivo – seja uma família ou uma entidade maior, o estado – à mulher, aquela labutadora por trás dos bastidores, da qual depende se a totalidade permanece ou cai.
Tradução de Katariina Harjunpää e Márcio-André
Publicado na edição Nº 25 da Revista Confraria (1ª edição impressa)
2 comentários:
Visite o meu blog: www.valdecyalves.blogspot.com e leia poesia vencedora de concurso homenageando o Estado do Ceará, Brasil. intitulada: CANTO AO CEARÁ. Coletânea lançada em 21 de janeiro de 2010. A partir do meu blog pode acessar páginas de outras poesias de minha autoria e vários documentários postados em minha conta no youtube. Grato!
lupaavasti
Postar um comentário