Perfil: Bojana Apostolova
Poesia, política e empreendedorismo caminham lado a lado nesta primeira aparição da autora búlgara em nosso idioma.
A arte, como ela a vê, é uma totalidade que tudo abrange, permitindo ambas: a expressão interior e a compreensão universal. “Mas além de ser intrinsecamente verdadeira e autêntica, a boa arte deve ter ainda algo mais – o lúdico, o voo da fantasia, a varredura da imaginação. Em uma palavra, é um vivo testemunho da liberdade interior”, comenta em uma entrevista na rádio. “Sensibilidade, trabalho árduo, criatividade constituem a substância do talento artístico e as condições prévias para o sucesso”, conclui a poeta.
A editora Janet 45 continua a ser um negócio florescente e foi-lhe atribuído o maior prêmio nacional, o Hristo G. Danov, de literatura búlgara (2002); o Leão de Bronze, por uma contribuição geral ao avanço da literatura búlgara moderna (2002); e o prêmio UNESCO para Design Artístico, no Concurso Mundial de Design para Livro, Frankfurt (2003).
B. Apostolova é autora de 7 livros de poesia: O benzer da minha mãe (1995), Na seiva da noite (1998), A terra desprometida (1986), Todo amor (2001), O terceiro estado e O nó (2005), Mal consigo detê-la (2008), nos quais mostra uma poética sólida. Seu último romance, Esquina sem ruas (2008), foi altamente aclamado e representa uma obra inovadora na prosa búlgara moderna, que explora o labirinto da solidão, da mulher búlgara contemporânea. É vencedora de diversos prêmios literários como poeta e escritora, como o prestigioso prêmio literário de sua cidade natal, Plovdiv, entre outros prêmios e distinções nacionais. A autora participa ainda de um programa televisivo que é um fórum público aberto a debates acalorados sobre as questões controversas do dia – sejam elas políticas, sociais, religiosas ou ecológicas –, bem como para inesquecíveis encontros com artistas e escritores nacionais e estrangeiros.
Uma vez, pediram-lhe para definir “sucesso”. Sua resposta lapidar – “o privilégio de fazer felizes as pessoas ao redor” – resistiu ao teste do tempo e de muitas controvérsias.
por Elitza Bachvárova
Tradução Ronaldo ferrito
Publicado na edição Nº 25 da Revista Confraria (1ª edição impressa)
A trajetória de Bojana Apostolova como escritora e poeta búlgara é das mais impressionantes e cruza um período de radicais transformações na Europa Oriental. Do fim da Segunda Guerra Mundial aos dias atuais, atravessa a ilusão socialista, a destalinização, a estagnação do período pré-perestroika, a queda do muro de Berlim, a corrida pós-socialista por um estado de pilhagem e a perseguição que deu origem. Órfã na infância, sua história possui inúmeros desafios no caminho de se tornar uma intelectual proeminente e uma figura pública altamente respeitada na vida cultural da Bulgária, sendo uma bem-sucedida executiva, comentarista televisiva e dona de uma editora de excelência em Plovdiv – a segunda maior cidade na Bulgária. Sua carreira memorável está registrada no seu primeiro trabalho ficcional em dois volumes, The Daily Bible, que se tornou um sucesso nacional e rapidamente internacional, por ser um documento único e testemunhal do ano mais inquietante do meado do século passado.
Bojana nasceu na noite de 9 de maio de 1945, a “noite agitada pelas trovejantes salvas de celebrações da vitória”, como ela escreve na sua autobiografia. O pós-Segunda Guerra Mundial foi de fato um tempo difícil para se crescer na Bulgária, repleto de vinganças políticas, repressões e limitações de todos os tipos – materiais, em primeiro lugar, mas também emocionais. A autora lembra, por exemplo, o enorme terror de seus pais pela possibilidade de perder as rações alimentares. Quando sua mãe a envia para buscar as provisões para casa, avisa-lhe inúmeras vezes para não ser distraída, para que não perca em algum lugar os preciosos cupons, “ou, então, sua cabeça!”; “Ah, aqueles anos pós-guerra – duros, incapacitantes... Minha infância desviou-se de seu curso por conta deles...”, relembra. Provida pelo todo-poderoso gabinete das habitações Jilfond, sua família vive em um quarto escuro, dividido em duas partes.
Em um dia frio de janeiro, as pessoas apinhavam-se em casa. Uma sua tia a toma pela mão e diz: “Venha dizer adeus ao seu pai!”. “Meu pai parecia estar dormindo apaziguado em uma longa caixa de madeira. Mas no lugar de seu quente cobertor xadrez foi coberto com flores”. “Beije-o!”, disse suavemente minha tia. Esta é a última vez em que Bojana vê seu pai, que era da idade de Cristo quando morreu. Sua mãe, uma jovem viúva de 27 anos, é cercada com o cuidado dos três filhos – o irmão mais novo de Bojana, Nikolai, ela e o filho mais velho, Apostol.
Seus talentos literários também começam a encontrar expressão durante esse tempo: ganha o terceiro lugar na competição de poesia de sua escola, dedicada ao nome de seu patrono, o poeta búlgaro Christo Smirnenski. No entanto, não é imediatamente capaz de se dedicar a seu interesse literário. Após concluir o ensino médio, ela é forçada a procurar um emprego nas fábricas das redondezas. Em virtude de sua frágil constituição, no entanto, essa tarefa se torna difícil. Por acaso, ela descobre que, em uma das fábricas, há um grupo de teatro amador. Apresentando-se à responsável, afirma: “Sou uma atriz. Quero um papel principal em sua peça. Sou muito talentosa”. Sem esperar por uma resposta, começa a recitar “A felicidade”, de Damian Damyanov. Sua ousadia dá fruto e ela é contratada como trabalhadora regular da fábrica – uma pré-condição para participar do elenco –, enquanto, à noite, estuda filologia búlgara na universidade estadual. Seus poemas são publicados no jornal da fábrica e logo ela começa a escrever sketches para a rádio da cidade.
Após o colapso do regime socialista, Bojana cria a muito bem-sucedida editora Janet 45. O início do empreendimento é um verdadeiro tributo à sua perspicácia. Tomando alguns dias de férias para descansar, na Colônia de Férias dos Escritores Soviéticos, durante uma viagem a Komarov, com seu marido Chonsky, o casal vai visitar um museu local. Lá, na loja de souvenir, ela vê alguns calendários ortodoxos com o ícone da Virgem lindamente impressa em cores no verso. O preço por item é uma pequena fração de centavos. Seu tino para o negócio desperta e ela imediatamente adquire dez mil “Bogorodichki” (ícones da Virgem Maria). Após seu retorno à Bulgária, manda dez mil suportes de madeira para os ícones e os vende por 6 euros cada, tirando proveito do fervor religioso pós-socialista durante os primeiros anos de liberalismo econômico. O “capital de investimento” para o seu futuro negócio é, portanto, rapidamente garantido. Com um estúdio alugado, algumas máquinas de segunda mão, processadoras coloridas e muito entusiasmo, a futura editora e gráfica Janet 45 é inaugurada. Em alguns anos, tornou-se uma empresa notável e patrocinadora de iniciativas culturais de nível local e nacional.
A editora Janet 45 assumiu um grande desafio e deu início a uma missão tanto mais arriscada e difícil – dar espaço e visibilidade aos jovens, ou pouco conhecidos, autores búlgaros contemporâneos, muitas vezes, sem levar em conta questões financeiras. Graças aos proventos da impressão comercial, as obras de jovens talentos búlgaros puderam ver a luz da publicação. O fato de uma parte da empresa poder funcionar com prejuízos é apenas mais um exemplo da tenacidade e da generosidade de espírito de Bojana Apostolova.
Questionada sobre como ela veio a assumir essa missão de promover a literatura búlgara, ela explica:
“Eu mesma sou uma artista. Meu primeiro livro de poesia saiu em 1978. Tenho muitos amigos entre os escritores búlgaros e sei muito bem as dificuldades que enfrentam, sobretudo nestes tempos de agora. Lembro-me de como era importante para mim ter o meu primeiro livro publicado, quanto tempo levou para que isso se tornasse verdade... E tendo em conta o atual mercado de literatura, inundado de best-sellers estrangeiros (muitas vezes, de duvidosos valores artísticos), penso que seria um verdadeiro crime negligenciar nossos próprios artistas! Como poderiam esses jovens talentos obterem sua estreia se ninguém lhes desse uma chance? Isto é, a partir do ponto de vista comercial, torna-se ainda mais urgente oferecer apoio prático e fórum para artistas emergentes”.
Mas esse evidente empenho pessoal e profissional para a excelência da cultura búlgara em geral não significa, no entanto, que B. Apostolova fosse indiferente à literatura estrangeira. Pelo contrário, a seleção e a ampla publicação de obras traduzidas de todas as línguas europeias, incluindo o turco, é responsabilidade de seu próprio filho e sócio, Manol Peykov – sendo ele próprio americano, educado e versado também em espanhol. O projeto editorial “Portais Espirituais” visa promover novos encontros entre autores europeus modernos. Os resultados têm sido encorajadores, embora isso fosse ainda apenas um começo promissor para forjar contatos e intercâmbios com os editores estrangeiros.
Bojana nasceu na noite de 9 de maio de 1945, a “noite agitada pelas trovejantes salvas de celebrações da vitória”, como ela escreve na sua autobiografia. O pós-Segunda Guerra Mundial foi de fato um tempo difícil para se crescer na Bulgária, repleto de vinganças políticas, repressões e limitações de todos os tipos – materiais, em primeiro lugar, mas também emocionais. A autora lembra, por exemplo, o enorme terror de seus pais pela possibilidade de perder as rações alimentares. Quando sua mãe a envia para buscar as provisões para casa, avisa-lhe inúmeras vezes para não ser distraída, para que não perca em algum lugar os preciosos cupons, “ou, então, sua cabeça!”; “Ah, aqueles anos pós-guerra – duros, incapacitantes... Minha infância desviou-se de seu curso por conta deles...”, relembra. Provida pelo todo-poderoso gabinete das habitações Jilfond, sua família vive em um quarto escuro, dividido em duas partes.
Em um dia frio de janeiro, as pessoas apinhavam-se em casa. Uma sua tia a toma pela mão e diz: “Venha dizer adeus ao seu pai!”. “Meu pai parecia estar dormindo apaziguado em uma longa caixa de madeira. Mas no lugar de seu quente cobertor xadrez foi coberto com flores”. “Beije-o!”, disse suavemente minha tia. Esta é a última vez em que Bojana vê seu pai, que era da idade de Cristo quando morreu. Sua mãe, uma jovem viúva de 27 anos, é cercada com o cuidado dos três filhos – o irmão mais novo de Bojana, Nikolai, ela e o filho mais velho, Apostol.
Seus talentos literários também começam a encontrar expressão durante esse tempo: ganha o terceiro lugar na competição de poesia de sua escola, dedicada ao nome de seu patrono, o poeta búlgaro Christo Smirnenski. No entanto, não é imediatamente capaz de se dedicar a seu interesse literário. Após concluir o ensino médio, ela é forçada a procurar um emprego nas fábricas das redondezas. Em virtude de sua frágil constituição, no entanto, essa tarefa se torna difícil. Por acaso, ela descobre que, em uma das fábricas, há um grupo de teatro amador. Apresentando-se à responsável, afirma: “Sou uma atriz. Quero um papel principal em sua peça. Sou muito talentosa”. Sem esperar por uma resposta, começa a recitar “A felicidade”, de Damian Damyanov. Sua ousadia dá fruto e ela é contratada como trabalhadora regular da fábrica – uma pré-condição para participar do elenco –, enquanto, à noite, estuda filologia búlgara na universidade estadual. Seus poemas são publicados no jornal da fábrica e logo ela começa a escrever sketches para a rádio da cidade.
Após o colapso do regime socialista, Bojana cria a muito bem-sucedida editora Janet 45. O início do empreendimento é um verdadeiro tributo à sua perspicácia. Tomando alguns dias de férias para descansar, na Colônia de Férias dos Escritores Soviéticos, durante uma viagem a Komarov, com seu marido Chonsky, o casal vai visitar um museu local. Lá, na loja de souvenir, ela vê alguns calendários ortodoxos com o ícone da Virgem lindamente impressa em cores no verso. O preço por item é uma pequena fração de centavos. Seu tino para o negócio desperta e ela imediatamente adquire dez mil “Bogorodichki” (ícones da Virgem Maria). Após seu retorno à Bulgária, manda dez mil suportes de madeira para os ícones e os vende por 6 euros cada, tirando proveito do fervor religioso pós-socialista durante os primeiros anos de liberalismo econômico. O “capital de investimento” para o seu futuro negócio é, portanto, rapidamente garantido. Com um estúdio alugado, algumas máquinas de segunda mão, processadoras coloridas e muito entusiasmo, a futura editora e gráfica Janet 45 é inaugurada. Em alguns anos, tornou-se uma empresa notável e patrocinadora de iniciativas culturais de nível local e nacional.
A editora Janet 45 assumiu um grande desafio e deu início a uma missão tanto mais arriscada e difícil – dar espaço e visibilidade aos jovens, ou pouco conhecidos, autores búlgaros contemporâneos, muitas vezes, sem levar em conta questões financeiras. Graças aos proventos da impressão comercial, as obras de jovens talentos búlgaros puderam ver a luz da publicação. O fato de uma parte da empresa poder funcionar com prejuízos é apenas mais um exemplo da tenacidade e da generosidade de espírito de Bojana Apostolova.
Questionada sobre como ela veio a assumir essa missão de promover a literatura búlgara, ela explica:
“Eu mesma sou uma artista. Meu primeiro livro de poesia saiu em 1978. Tenho muitos amigos entre os escritores búlgaros e sei muito bem as dificuldades que enfrentam, sobretudo nestes tempos de agora. Lembro-me de como era importante para mim ter o meu primeiro livro publicado, quanto tempo levou para que isso se tornasse verdade... E tendo em conta o atual mercado de literatura, inundado de best-sellers estrangeiros (muitas vezes, de duvidosos valores artísticos), penso que seria um verdadeiro crime negligenciar nossos próprios artistas! Como poderiam esses jovens talentos obterem sua estreia se ninguém lhes desse uma chance? Isto é, a partir do ponto de vista comercial, torna-se ainda mais urgente oferecer apoio prático e fórum para artistas emergentes”.
Mas esse evidente empenho pessoal e profissional para a excelência da cultura búlgara em geral não significa, no entanto, que B. Apostolova fosse indiferente à literatura estrangeira. Pelo contrário, a seleção e a ampla publicação de obras traduzidas de todas as línguas europeias, incluindo o turco, é responsabilidade de seu próprio filho e sócio, Manol Peykov – sendo ele próprio americano, educado e versado também em espanhol. O projeto editorial “Portais Espirituais” visa promover novos encontros entre autores europeus modernos. Os resultados têm sido encorajadores, embora isso fosse ainda apenas um começo promissor para forjar contatos e intercâmbios com os editores estrangeiros.
A arte, como ela a vê, é uma totalidade que tudo abrange, permitindo ambas: a expressão interior e a compreensão universal. “Mas além de ser intrinsecamente verdadeira e autêntica, a boa arte deve ter ainda algo mais – o lúdico, o voo da fantasia, a varredura da imaginação. Em uma palavra, é um vivo testemunho da liberdade interior”, comenta em uma entrevista na rádio. “Sensibilidade, trabalho árduo, criatividade constituem a substância do talento artístico e as condições prévias para o sucesso”, conclui a poeta.
A editora Janet 45 continua a ser um negócio florescente e foi-lhe atribuído o maior prêmio nacional, o Hristo G. Danov, de literatura búlgara (2002); o Leão de Bronze, por uma contribuição geral ao avanço da literatura búlgara moderna (2002); e o prêmio UNESCO para Design Artístico, no Concurso Mundial de Design para Livro, Frankfurt (2003).
B. Apostolova é autora de 7 livros de poesia: O benzer da minha mãe (1995), Na seiva da noite (1998), A terra desprometida (1986), Todo amor (2001), O terceiro estado e O nó (2005), Mal consigo detê-la (2008), nos quais mostra uma poética sólida. Seu último romance, Esquina sem ruas (2008), foi altamente aclamado e representa uma obra inovadora na prosa búlgara moderna, que explora o labirinto da solidão, da mulher búlgara contemporânea. É vencedora de diversos prêmios literários como poeta e escritora, como o prestigioso prêmio literário de sua cidade natal, Plovdiv, entre outros prêmios e distinções nacionais. A autora participa ainda de um programa televisivo que é um fórum público aberto a debates acalorados sobre as questões controversas do dia – sejam elas políticas, sociais, religiosas ou ecológicas –, bem como para inesquecíveis encontros com artistas e escritores nacionais e estrangeiros.
Uma vez, pediram-lhe para definir “sucesso”. Sua resposta lapidar – “o privilégio de fazer felizes as pessoas ao redor” – resistiu ao teste do tempo e de muitas controvérsias.
por Elitza Bachvárova
Tradução Ronaldo ferrito
Publicado na edição Nº 25 da Revista Confraria (1ª edição impressa)
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