ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE AS REVISTAS LITERÁRIAS ATUAIS

Estado de Minas, 5 de setembro, caderno Pensar

Márcio-André

Se a realidade se realiza nos elementos que a constituem, devemos considerar as revistas de literatura, para além de um complemento, como parte fundadora da realidade literária contemporânea, tão importante quanto as editoras, os movimentos estéticos, os cadernos culturais e as políticas pedagógicas globais. Entretanto, frente a certas carências, educacionais sobretudo, as revistas, todas articuladas de forma independente, são obrigadas a desempenhar papel também na formação do publico leitor em uma realidade onde literatura tornou-se, já de antemão, algo irreal. O problema é que, se por um lado estamos na vanguarda de propostas estéticas – e o papel das revistas é servir-lhes de “manifesto” –, por outro, elas padecem no duplo papel de ensinar sobre tais estéticas. A ironia é que, nessa duplicidade, não conseguem ser nem uma coisa nem outra e ficam assim, tentando encontrar um caminho, por vezes ineficaz, até o leitor.

Ainda que pouco visíveis, a variedade é grande. Revistas como Sibila, Confraria, Coyote, Inimigo Rumor, Polichinello, Babel, Agulha, Germina, Zunái, entre outras, dividem espaço na rede e nas livrarias, com posturas e tendências particulares. Mas a despeito da diversidade, elas poderiam ser reduzidas a duas grandes famílias de características que se anulam. A primeira é aquela de revistas com propostas mais didáticas, cujo empenho está em servir como vitrine às diversas posturas literárias atuantes. Mais democratizantes, tornam-se pouco eficazes por não conseguirem chegar ao grande público, sobretudo devido a falta de fomento e de estrutura profissional, resistindo enquanto revistas “especializadas”. A segunda é a das revistas que se assumem (mesmo que veladamente) como a representante de um grupo e com isso cria uma rede de relações e influências que se autofomenta, lançando mão dessa estratégia em prol da perpetuação de seus projetos e do consequente fechamento do canal (e aqui relembro o depoimento de um editor que afirmou, em entrevista, não conhecer nenhum periódico contemporâneo ao seu que merecesse ser citado, além daquele produzido por remanescestes de sua própria publicação). Autocentradas como as revistas de vanguarda do Séc XX, perdem-se na incoerência de não ter como base, entretanto, um projeto estético sólido que a justifique (como tinha, por exemplo, a Revista Noigandres na década de 50), deixando de representar um movimento para congregar uma “panela”. O resultado nos dois casos é o mesmo: não há uma efetiva troca com o leitor e tudo o que se vincula ali se perde na especialização.

Não de hoje, a literatura vem sofrendo do mal da guetização. Em parte por uma inadequação de alguns de seus pressupostos clássicos ao advento da cultura de massa, onde, enquanto “forma inadequada”, se sujeita produto a ser consumido por uma “tribo”. E em parte por conta dos próprios escritores que se deixam cair nos discursos mais rasos de qualquer que seja a defesa assumida. Num momento em que várias éthos temporais se encontram, é natural que nenhum deles se cumpra por inteiro. As revistas, por sua vez, nessa indecisão ética, manifestam um vício comum entre elas: o de focar sua atenção nos produtores, nunca nos consumidores (e aqui, consumidor e produtor em nada se relaciona com a lógica do capital). Ora, não há literatura sem leitores, e cada autor, teoricamente, deveria também ser um. Mas isso tem sido ignorado insistentemente e as revistas, como um todo, escondem por trás da virtude do afastamento e do discurso do preciosismo, uma postura conservadora e elitista, onde se produz edições com escritores mais interessados que interessantes. Na verdade o que falta é pesquisa e atenção às edições irmãs. Não encontramos sequer uma listagem das revistas existentes, nem mesmo no Wikipédia. Não há um orgão regulamentador, qualquer que seja, tamanho o desinteresse em congregar.

Claro que não se defende aqui uma planificação esterilizante ou um regramento sem sentido, mas uma postura que fuja às segregações e reinsira o leitor no espaço cênico da literatura. É para isso que as revistas deveriam servir: ao invés de reproduzir os males do ambiente literário contemporâneo, criar alternativas viáveis. E quando propostas individuais vazias se transformam em paróquias, é preciso apelar a uma coletividade sólida. Por mais enriquecedor que seja uma variedade de discursos, talvez seja a hora das revistas se unirem em prol de um publicação, paralela a todas elas, de grande tiragem, a fim de movimentar um público (leitor, não consumidor de livro) e uma maior circulação do que se tem produzido. Um periódico neutro que, unindo as pontas das duas categorias citadas acima, pudesse acompanhar com responsabilidade – ainda que pelo viés de um jornalísmo não meramente informativo – tudo o que se tem produzido. Talvez assim, visando uma literatura para o futuro, para os leitores, o terreno se fertilize e surjam novas propostas estéticas prontas a fundar suas revistas individualmente fortes. Mas será que os editores estão interessados?

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