ENTER

Heloísa Buarque de Holanda organiza a primeira antologia online
Márcio-André, Jornal do Brasil (Ideias e Livros)

RIO - A festa de lançamento da antologia ENTER, organizada pela pesquisadora Heloísa Buarque de Holanda, contou com intervenções dos autores e de DJs convidados. O interessante é que, apesar da pompa e circunstância, não havia livro a ser vendido, nem nada que se pudesse levar para casa debaixo do braço. Era um lançamento virtual, como a própria antologia, que foi ao ar na web no momento da festa e transmitida por um telão.

O “livro” é a primeira antologia online do Brasil. Trata-se de um pequeno portal contendo textos, áudios, vídeos e imagens de 40 autores. “Um site mesmo, só que fechado. Sem possibilidade de agregar comentários, postagem etc. Ou seja, um soft book com curadoria única”, diz a organizadora, que teve o auxílio do jovem poeta Ramon Mello na seleção dos nomes.

Apostando no ecletismo, a antologia optou por reunir nomes que, se alguns deles não trabalham com a dita “área literária”, transitam por ela de alguma forma – seja criando animações a partir de livros, seja fundindo poesia e teatro – e têm em comum o fato de atuarem na internet. Dos quadrinhos de André Damher ao rap de Gog, das peças de Michel Mellamed à embolada de Lirinha. A antologia também reúne jovens autores em evidência, como João Paulo Cuenca, Andréa Del Fuego e Marília Garcia, com autores de obras ainda pouco conhecidas, como Ismar Tirelli e Omar Salomão. É, enfim, uma antologia fresca, agregando uma geração surgida com e na internet.

Além da introdução, que toca em questões mais do que relevantes, os pontos altos ficam por conta dos textos impecáveis de Daniel Pellizzari e dos Sete Novos, do vídeo-poema do sempre imbatível Marcelino Freire, da tocante vídeo-leitura de Ségio Vaz, das imagens de Fábio Moom e Gabriel Bá e dos áudios de Diana de Holanda. Merecem a atenção também os textos de Ana Paula Maia e Índigo, o poema de Maria Rezende, a leitura de Edson Cruz animada por Pipol, além de outros bons representantes dos novíssimos. Por outro lado, não passa despercebida a presença de textos cujo pouco vigor, talvez menos visível num livro à parte, torna-se evidente na inevitável mecânica da comparação.

Outro ponto a ser refletido é a escolha do material extratextual. Se nos textos temos obras exclusivamente de criação, nos áudios e nos vídeos revezam-se pesquisas autorais com mero material promocional ou simples leituras dos textos, ainda que realizados pelos autores. Mesmo que previsto na introdução, apontando o vínculo entre “a experiência orgânica e privada do autor e seu trabalho propriamente textual”, esse aspecto talvez fosse mais forte se levado ao extremo, enriquecendo sua proposta multidisciplinar, ou pelo menos mostrando quais dos autores transitam, de fato, pela “criação em base digital” enquanto prática de sua obra. No caso, teríamos uma real polifonia de propostas multimidiáticas e não só um apanhado de apoio ao texto.

Entretanto, os problemas conceituais não implicam uma problemática estrutural, uma vez que a antologia “pode ser ampliada, reduzida, retificada ou reescrita a qualquer momento”, dando margem ao “aprimoramento” em tempo real. Com isso, adere ao que há de mais interessante no ambiente virtual: a mobilidade. Aliás, é o que torna o projeto único, além de torná-lo um trabalho de inovação editorial, ainda que, nos parâmetros da própria virtualidade, a fronteira entre uma iniciativa como ENTER e portais e revistas como a Confraria, o Cronópios ou a Germina, seja ainda muito sutil – o próprio poeta Guilherme Zarvos tinha realizado, em 2008, um portal semelhante, trazendo artistas que passaram pelo CEP 20.000. O que efetivamente faz a diferença aqui é a presença de Heloísa Buarque de Holanda, que leva sua tradição e experiência em criar antologias no papel para o ambiente virtual. É um feito simbólico e sobremaneira relevante, pois não é um site produzido pelos próprios representantes da geração, mas por um especialista que, de fora e com o respaldo da academia, tem se interessado pelo assunto de forma coerente. Ou seja, é como a atestação de um ethos novo por um ethos anterior, este ainda fortemente presente, atuante e com poder de decisão. Enfim, é uma belíssima aposta no futuro e na abertura de possibilidades.

O melhor de tudo, porém, é que – como tudo que faz a delícia dos trabalhos veiculados na rede – a antologia pode ser conferida gratuitamente, bastando estar conectado, digitar no navegador e pressionar ENTER.

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