Gonzalo Rojas


Carta a Huidobro

1. Pouca confiança no XXI, em todo caso algo acontecerá,
morrerão outra vez os homens, nascerá algum
de que ninguém sabe, outra física
em matéria de liberdade fará mais próxima a imantação da Terra
de modo que o olho ganhará em prodígio e a viagem mesma será voo
mental, não haverá estações, só com abrir
a chave do verão por exemplo nos banharemos
no sol, as moças
perdurarão belíssimas esses nove meses por obra e graça
das galáxias e outros nove
por acréscimo depois do parto em que pese
o crescimento dos cedros de antes do Mundo, assim
as marés estremecidas dançarão airosas outro
prazo, outro ritmo sanguíneo mais fresco, o que por contradança fará
com que o homem entre em seu húmus de uma vez e seja
mais humilde, mais
terrestre.

2. Ah, e outra coisa sem vaticínio, pouco a pouco envelhecerão
as máquinas da Realidade, não haverá drogas
nem míseros filmes nem jornais arcaicos nem
– dissipação e estrondo – mercadores do aplauso ignominioso, tudo isso
envelhecerá na oposta
da criação, o olho voltará a ser olho, o tato
tato, o nariz
éter de Eternidade na descoberta incessante, a fornicação
nos fará livres, não pensaremos em inglês, como disse Darío, leremos
outra vez os gregos, voltar-se-á a falar em etrusco
em todas as praias do Mundo, na altura da quarta
década unir-se-ão os continentes
de tal modo que a Antártica entrará em nós com toda sua fascinação
de borboleta, de turquesa, sete trens
passarão sob ela em múltiplas direções a uma velocidade desconhecida.

3. Até onde podemos ver Jesus Cristo não virá
na data marcada, pássaros
de alumínio invisível substituirão os aviões, já no fim
do XXI prevalecerá o instantâneo, não seremos
testemunhas da mudança, dormiremos
progenitores no pó com nossas mães
que nos fizeram mortais, de lá
celebraremos o projeto de durar, parar o sol,
ser – como os divinos – de repente.

tradução de Suzana Vargas
Revista Confraria n°25 (1ª edição impressa)

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