Saiu hoje no Prosa & Verso do Globo


L=A=N=G=U=A=G=E 40 graus
Márcio-André

Na semana passada, esteve no Rio de Janeiro o poeta, teórico e performer Bruce Andrews, seguramente um dos mais importantes representantes da literatura americana atual. Foi um dos fundadores do movimento L=A=N=G=U=A=G=E no início dos anos 70, tendo editado, com Charles Bernstein, a revista homônima, que viria a surgir em 1978 e que foi a grande responsável pela popularização do movimento. Bruce, que veio ao Brasil por conta de uma apresentação de sua esposa, a coreógrafa Sally Silvers, aproveitou para supervisionar a tradução de sua primeira série de poemas vertidos para o português e realizar uma performance de poesia sonora na Estação das Letras. Em sua passagem, além de entrevistas à Rádio Fluminense e à revista Confraria, ele se encontrou com poetas do Rio e de São Paulo.

Numa conversa informal, que começou na barca Rio-Niterói, passando por um ônibus lotado e algumas ruas de Santa Teresa, para terminar em um boteco no Largo das Neves – trajeto inusitado para quem está habituado ao cenário experimental novairoquino –, Bruce revelou estar emocionado em conhecer o Brasil. Profundo admirador de MPB, do Sepultura e, sobretudo, do Concretismo, segundo ele, uma das principais influências e motivações na fundação da L=A=N=G=U=A=G=E, demonstrou-se bastante atento ao que se está produzindo por aqui. Seu interesse, deixa bem claro, é com a “avant-garde”, com as novas possibilidades criativas e estéticas. Admite não conhecer a poesia brasileira mais recente, sobretudo por conta da carência de traduções para o inglês, mas teme que a coisa esteja enferrujando. Contou que um amigo, estudante de literatura em São Paulo, teve sua tese recusada ao propor uma dissertação sobre a Language Poetry. Os motivos: um tópico sobre poesia americana seria aceitável apenas se fosse do tipo mais conservador, mas sobre uma poesia mais radical ou experimental só seria aceitável sendo brasileira. “Uma combinação de nacionalismo e conservadorismo que corre o risco de resultar em uma radical insularidade e um paroquialismo da comunidade literária local”, diz ele.

Parece-lhe que, no Brasil, a poesia está numa encruzilhada. Ou se encontra uma poesia narrativa, bem dentro da tradição, ou ainda se está preso ao fantasma do Concretismo, movimento que, apesar de sua admiração, considera ultrapassado. “O Concretismo foi suficiente em 60, mas não é suficiente para uma tradição. É limitado. Os brasileiros precisam ir além, senão correm o risco de se fecharem”. Provocado pela pergunta se então a Language seria suficiente, ele responde: “Talvez não, mas a sua vantagem está no fato de ser uma reunião de diversas possibilidades que a tradição pode oferecer à linguagem. Apesar da ênfase na materialidade da língua, nós não paramos na tradição visual ou sonora. A Language é um grande guisado com diversos ingredientes, enquanto o Concretismo utiliza alguns poucos e limitados. Isso se deve ao fato de a Language ser mais aberta, menos idiossincrática, agregando continuamente ingredientes que não existiam quando surgiu: a cultura pop, a arte digital, a internet, a virtualidade. Hoje já se utilizam softwares ou mesmo o Google para fazer poesia”. Sua preocupação é relevante: corremos o risco de terminar no “tupiniquinismo”, apostando em um movimento que deu certo internacionalmente como única possibilidade de sermos internacionais.

Também professor de ciências políticas na Fordham University, Bruce acredita no diálogo entre a literatura de ambos os países: “Minha sensação é a de que a poesia americana mais radical pode ser bastante relevante por aqui, ainda que os professores queiram falar sobre figuras históricas e os editores continuem publicando os mais tímidos seguidores do modernismo”. E arremata: “Tem havido grandes inovações e certamente seria uma boa fonte de troca”.

Mas Bruce pareceu também contaminado pelo despojamento local. Caminhando pelas ruas da Lapa após sua elogiada performance, e vez ou outra fotografando a textura dos muros para sua série de fotos abstratas, ele reflete sobre o que pode enriquecer a experiência poética como um todo, mesmo internamente: “Creio que a poesia precise prestar mais atenção à dança experimental. Não se pode ter movimento poético sem prestar atenção ao corpo e as suas possibilidades de movimento”. E de dança nós entendemos bem. Tendo saído do Brasil com uma penca de livros na mala que, admite, certamente não conseguirá ler por conta do idioma, fica-nos a esperança de que ele também descubra o que podemos oferecer ao lado de lá.

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